Atualmente, divulga-se a possibilidade de outras forças policiais lavrarem o termo circunstanciado de ocorrência como uma verdadeira conquista. Ocorre que, levando em consideração a experiência de ter trabalhado na Delegacia de Polícia Especializada em Crimes de Menor Potencial Ofensivo (Deimpo), tentaremos desmistificar o suposto “avanço”, levantando questionamentos que podem configurar um verdadeiro retrocesso.
O termo circunstanciado de ocorrência, popularmente conhecido como “TCO”, seria a peça que instrumentaliza chegar ao conhecimento do Ministério Público e do Poder Judiciário a ocorrência de crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, crimes cuja as penas sejam inferiores a dois anos e contravenções penais. Diversas infrações penais se enquadram no conceito de menor potencial ofensivo, tais como: calúnia, injúria, difamação, lesão corporal leve, revenge porn, invasão de dispositivo informático, perturbação do sossego, perturbação da tranqüilidade, dentre outros.
Vale ressaltar que a Lei nº 12.830/2013 reconheceu o Delegado de Polícia Civil como o que possui a condição exclusiva de carreira jurídica e administrador da investigação criminal e de qualquer outro procedimento que vise apurar circunstâncias, materialidade e autoria de infrações. O diploma legal supramencionado prevê a necessidade de para ingressar na referida carreira ostentar a condição de bacharel em direito. Além disso, as legislaturas estaduais prevêem a necessidade de ser aprovado em rigoroso concurso público de provas e títulos.
Portanto, o delegado de polícia atualmente é o profissional dotado de conhecimento jurídico necessário para servir de filtro contra eventuais irregularidades e ilegalidades porventura contidas no procedimento da investigação. O decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo chamou a atenção ao se referir a referida carreira jurídica como sendo “o primeiro garantidor da legalidade e da justiça”.
Ressalte-se que na simples lavratura de um termo circunstanciado poderá estar presente diversas outras questões de cunho jurídico, tais como: tipificação formal e material da infração, concurso de crimes, qualificadoras, nexo de causalidade, causas de aumento e de diminuição de pena, conflito aparente de leis, tentativa, desistência voluntária, arrependimento, dentre outros. Portanto, por traz de uma simples lavratura de um TCO podem ser gerados uma série de questões complexas e que somente podem ser resolvidas por um profissional que tenha o conhecimento jurídico e capacitação para o devido encaminhamento do conflito ao Poder Judiciário.
Exemplo disso é uma questão envolvendo drogas. A situação apresentada pode não ser tão clara e gerar dúvidas acerca de seu enquadramento no Artigo 28 ou no Artigo 33 da Lei nº 11.343/2006. Ou seja, caso se trate de um usuário de drogas o autuado deverá ser imediatamente liberado por se tratar de um TCO, contudo se mesmo diante da pouca quantidade de droga o delegado de polícia entender que o fato configure tráfico de drogas diante do contexto fático, o autuado deverá ser mantido preso em flagrante.
A Delegacia Especializada em Crimes de Menor Potencial Ofensivo mostrou-se eficiente na investigação e atenção de crimes que por opção legislativa são definidos como de menor potencial ofensivo, mas para o cidadão que teve sua foto íntima divulgada sem autorização ou o seu sossego perturbado por conta de excessos no uso de som pelo vizinho, mostra-se de grande repercussão na vida do cidadão e da comunidade.
Além disso, a referida delegacia mostrou-se ambiente propício para que os cidadãos tenham a sua situação analisada por um delegado de polícia com atribuição legal, sendo no ato realizada a oitiva da vitima, dos supostos autores do fato e testemunhas, acompanhados por seus respectivos advogados, o que denota respeito aos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988. O discurso de combate à criminalidade não pode servir para mitigar a carta constitucional de direitos fundamentais, pois a garantia de ser investigado apenas pelo delegado natural revela-se como verdadeiro direito fundamental do cidadão.
Perfil: Anderson George de Lima Casé é formado pela Universidade Católica de Salvador, Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia, Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Fundacem, Pós-graduado em Direito Processual Civil, e atualmente é Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins.