Nesses quase 20 anos como policial, sendo quase dez deles como Delegado de Polícia Civil, nunca vi um assunto, entre os meus colegas, causar tanta polêmica como falar em direitos humanos e como é de conhecimento de todos, tal assunto é polêmico não apenas no meio policial, pois falar em direitos humanos, seja em uma reunião familiar, seja na fila da padaria, é sempre um assunto espinhoso para os seus defensores, pois muitos entendem que direitos que garantem a vida não deveriam ser aplicados a criminosos, aos “fora da lei”.
Pois bem, não é meu objetivo aqui tecer comentários acerca do surgimento e desenvolvimento histórico dos direitos humanos no Brasil e no mundo, motivo pelo qual vou me apegar apenas ao que está escrito em nosso ordenamento jurídico, em especial em nossa Constituição, tão questionada nos últimos dias, mas ainda em vigor e atuando como guardiã do povo brasileiro.
O primeiro questionamento que levanto é o seguinte: teria o Estado brasileiro, através de seus servidores legalmente convictos de autoridade pública, o direito de tirar a vida de uma pessoa, em nome da coletividade? E a resposta é sim, porém em casos autorizadores específicos, como a legítima defesa, disposta no Código Penal, ou no caso da pena de morte constitucionalmente autorizada, em crimes militares específicos, quando em estado de guerra declarada, ocasião em que uma série de direitos são limitados ou mesmo suprimidos, para garantia da soberania nacional, em prol de todos e contra o inimigo.
Alguém, então, poderia dizer: está errado, equivocado esse autor, pois é claro que um agente público, em nome da comunidade, visando controlar o crime, estaria autorizado a matar um criminoso, um menor infrator, ou mesmo um “noiado” (dependente químico), desde que seu fim seja o bem coletivo!
É claro que todos desejam viver em uma sociedade pacificada, justa, aonde o ir e vir, e o patrimônio, sejam garantidos pelo Estado, todavia, a experiência desses anos já citados demonstra, na totalidade dos casos, que os “matadores sociais” muitas vezes instituem seu tribunal da morte visando, inicialmente, eliminar criminosos, e conforme se inflamam de coragem passam a fazer “faxina social”, primeiro com dependentes químicos, depois com menores infratores, logo após com mendigos e, quando menos se espera, estão matando por dinheiro qualquer pessoa, ou por qualquer outro motivo, em uma guerra imaginária, na qual, em muitos casos até mesmo se sentem iluminados, arautos da morte. E nesse ponto, caro leitor, o alvo deixa de ser o “lixo social” e passa ser eu, você, sua filha, seu pai, seu amigo, e por aí vai, pois não há limites para o monstro, quando a sociedade o cria e o alimenta.
É por isso que as forças de segurança, seja a fardada, seja a judiciária (Federal e Civil), tem o dever legal, moral e social de garantir a paz pública, por meio de trabalhos ostensivos, ou de atuação repressiva, e não o de atuar em um “tribunal de rua” aplicando exclusivamente a lei do ódio. Entendo que essa energia de combate ao “mal” deveria se voltar aos verdadeiros responsáveis pela miserabilidade de parte do nosso povo.
Não quero ser hipócrita, pois como Delegado de Polícia sou um dos primeiros defensores da repressão ao crime, e da responsabilização do criminoso e/ou do menor infrator e também tenho sérias críticas ao nosso sistema penal e processual penal, que deveria ser mais rígido e mais célere, mas também não podemos nos esquecer de que as crianças não seriam seduzidas pelo crime se lhes fossem garantidas um lar dotado de uma família estruturada, com o pai e a mãe com acesso ao trabalho e a cultura. Nossos adolescentes não se tornariam infratores se tivessem acesso à escolas de qualidade, se lhes fossem garantida a possibilidade de sonhar com dias melhores, se lhes fossem garantidos sonhar em se formarem como médicos, engenheiros, advogados, professores, entre outras tantas profissões nobres, as quais, quando alcançadas pelo menos privilegiados, são motivos de notícia na mídia, como sempre vemos em relação a sertanejos, calungas, moradores de rua, e outros menos favorecidos, que se alcançam o nível superior de escolaridade.
Em resumo: apenas aplaudimos a exceção, privilegiamos a luta particular do pobre sobrevivente. Por óbvio que os vencedores são dignos de louvor, mas não podemos nos esquecer que deveríamos exigir que todos tivessem a mesma oportunidade de acesso à educação de qualidade, à moradia digna, à segurança alimentar, ao trabalho.
Talvez nesta altura da leitura a maioria dos leitores já possam ter desistido, afirmando que meu objetivo é “defender bandido”, mas não se trata disso, o direito que defendo é o do brasileiro, ou do estrangeiro em solo brasileiro, ser respeitado ou responsabilizado conforme as regras legais vigentes, porque, ainda que passíveis de críticas são elas que nos garantem o mínimo de segurança jurídica.
Por outro lado, não poderia deixar de citar outro tipo de funcionário público digno de repulsa, aquele que, ainda que não aperte ilegalmente o gatilho de uma arma de fogo aplicando a lei da morte, também cria uma legião de cadáveres, quando se omite decidir o que está ao seu alcance em prol da sociedade, ou não fiscaliza a aplicação da Lei como deveria, visando interesses pessoais e escusos, muitas das vezes se valendo de interpretações descabidas da lei para justificar sua própria concupiscência.
No mesmo sentido estão aqueles que são eleitos para garantia do bem social, mas que se apossam do dinheiro público em proveito próprio e de sua corja, esses sim, os verdadeiros culpados pela miserabilidade, parceiros indissociáveis dos que usam a caneta da decisão em beneficio próprio e dos que usam a pólvora como heróis da comunidade, quando na verdade estão aprisionando essa mesma comunidade no medo.
Por fim, ainda ao falar de direitos humanos, é valido lembrar as centenas de vítimas brutalmente assassinadas, dos milhares de policiais que perderam sua vida em uma luta humilhantemente desigual contra o crime, que não raro tenta encurralar o poder policial, o qual não se rende, não por causa do apoio que o Estado possibilita que é pífio; mas porque, apoiados uns nos outros, os bons policiais ainda resistem. A estes, o meu humilde respeito. Aos que se consideram acima da Lei, ou melhor, acima do bem e do mal, o meu escarnio.