Teoria e prática no enfrentamento à criminalidade no Brasil

Por Delegado Leandro Risi Santos
08/11/2018 08/11/2018 14:03 1083 visualizações

Pedindo licença ao leitor para falar de forma livre, neste pequeno artigo, é possível dizer, a grosso modo, que o fenômeno criminal não é exclusivo da modernidade. O crime (considerando aqui este conceito numa perspectiva técnica e temporalmente ampla) e sua punição caminham tão juntos quanto o nascimento da consciência humana e suas narrativas ficcionais, obviamente observado referencialmente em cada lugar, época e cultura, que escolhe em seu momento qual conduta “criminalizar” e como puni-la, mas principalmente, como lidar com ela. Então, como lidar com condutas criminosas? Já retomo tal questionamento.

 

Com o advento das Ciências Humanas, amplamente influenciadas pelo positivismo (sociologia, antropologia, etc.), principalmente no século XIX, o “crime” passou a ser objeto de estudo daquelas disciplinas que tentavam, em suma, explicar porque as pessoas cometiam delitos.

 

Ocorre que, no início do século XX, a chamada “Escola de Chicago”, nos EUA, inaugurou uma disciplina das Ciências Humanas que convencionou denominar de “Criminologia”. Dessa forma, o delito seria o único foco de tal ciência e, mais do que isso, permitiu posteriormente o surgimento da ideia de conhecer para praticar, ou seja, determinar as causas do delito para então “atacá-las” e, assim, efetivamente reduzir a criminalidade. A partir daí, diversas teorias criminológicas foram concebidas ao longo daquele século e até os dias atuais. Podemos citar, de forma rápida, a teoria da Subcultura Criminal, que em síntese traz a ideia de que as pessoas não se tornam criminosos de uma hora para outra, mas aprendem os delitos numa verdadeira escalada delinquente.

 

Outra teoria exemplificativa é a das Atividades Rotineiras, que postula que o ofensor, motivado por uma possibilidade de “ganho” maior do que o “prejuízo” relativo à empreitada criminosa, decide cometer o delito quando há “vítima” disponível e ausência ou precariedade do chamado guardião, que tanto pode ser o formal, como a polícia, quanto o informal, como seu vizinho.

 

Por fim, quero citar uma teoria interessante que nos leva novamente a questão: Como lidar com a criminalidade? É a chamada teoria das Janelas Quebradas, esta preconiza, utilizando a alegoria de um edifício com uma janela quebrada, que se aquela janela não for substituída, passará a ideia de abandono e desordem e, logo, as outras janelas seriam quebradas e o restante do edifício vandalizado. Ou seja, onde há desordem e sensação de abandono pelo Poder Público, pequenos delitos cometidos seriam janelas quebradas que levariam a outros delitos mais graves.

 

Partindo dessa premissa, chego a Nova York no início da década de 90 do século passado. Tal cidade era tida como uma das metrópoles mais violentas do mundo, foi aí que o novo chefe de polícia da cidade, William Branton, resolveu adequar a teoria à prática. Utilizando-se da teoria das “Janelas Quebradas”, implantou a famosa política da “tolerância zero”, punindo com mais severidade pequenos delitos, inclusive “pequenos” desvios de conduta, como jogar lixo ao chão. Outro ponto interessante é que a partir dessa experiência houve uma reorientação nas principais polícias do mundo, de que o crime não deve ser “combatido”, mas sim, “gerenciado”, e esse gerenciamento se dá por números. Por isso foi criado o Compstat, um sistema de gerenciamento do delito por estatística e geoprocessamento que realizava reuniões semanais com gestores da polícia a fim de cobrar resultados e ações em relação a ocorrência de delitos em sua área de atuação. O resultado disso é que, por mais que hoje haja bastante dúvida quanto a eficácia real de tal programa, Nova York é uma das cidades mais seguras do mundo, mesmo sendo pouco menor que São Paulo! Mas e o Brasil? Aqui se pratica a teoria ou se teoriza a prática?


A resposta é sim e não, isso porque existem algumas experiências na Segurança Pública brasileira de se trabalhar com a teoria e a prática, como hoje na Guarda Municipal de Belo Horizonte, mas no geral, as políticas de segurança no Brasil são bastante relativas, ou seja, as coisas acontecem, o crime dispara e logo vem governantes despreparados dizer o básico: “Compraremos mais viaturas, armas, reformaremos prédios e contrataremos policiais.” E eles estão errados? Não estariam, se não ficassem apenas nisso, ocorre que não há uma estratégia a ser implementada, nem mesmo uma política de estado relativa à Segurança Pública.

 

No entanto, a Polícia Civil do Tocantins me lembra a alegoria de um motoboy que passa entre os carros e atrapalha o trânsito e tenho muito orgulho disso! Isso porque a despeito de todas as dificuldades que enfrentamos e a falta de apoio governamental, queremos e estamos criando uma cultura de profissionalismo, um modo de fazer polícia que não é apenas na prática, mas baseada em estratégia, em conhecimento, e você cidadão já deve ter percebido como temos trabalhado! Os criminosos já perceberam. Dia desses num plantão pude ouvir de um: “Nossa senhora, a Polícia Civil tá prendendo todo mundo!”.

 

Então é isso, o pouco e talvez o bem superficial que queria dizer! Não adianta apenas “chicote” (enfrentamento) para se lidar com o crime, é preciso conhecimento, estratégia  (gerenciamento), aliar teoria e prática, se não, não poderemos cumprir nosso papel em termos objetivos, diminuir os índices criminais e subjetivos, proporcionar a você cidadão a sensação de segurança que tanto necessita e, aos criminosos, o medo e a certeza da punição. A PCTO está no caminho, contem conosco! No próximo artigo, vamos aprofundar um pouco as teorias apresentadas e como elas se relacionam ao nosso combate contra a corrupção no estado do Tocantins.

 


LEANDRO RISI SANTOSé delegado da Polícia Civil, ex-investigador da PC de Minas Gerais e especialista em criminalidade e segurança pública.

e-mail: comunicacao@sindepol-to.com.br