O Delegado de Polícia e a busca domiciliar

Por: Delegado Thyago Burtorff
05/04/2018 05/04/2018 15:05 1289 visualizações

A Constituição de 1988 elegeu, no seu art. 5º, inciso XI, a inviolabilidade de domicílio como um direito fundamental do indivíduo, que assim dispõe: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Não é nossa intenção aqui esmiuçar todas as exceções acima elencadas, mas sim tratar especificamente das hipóteses de flagrante delito, notadamente o tráfico de drogas, que justifiquem a entrada policial no domicílio sem a autorização judicial.

Muitos estão já viram nos filmes “hollywoodianos” ou na própria dramaturgia brasileira cenas em que moradores negam a entrada da polícia no local, quando esta está desprovida do famoso “mandado”. Mas em que situações poderia a polícia, então, “chutar a porta” da residência do suspeito sem o mandado? O que seria, então, a “causa provável”, expressão do direito norteamericano e replicada na telinha? Elencamos algumas situações concretas a seguir que exemplificam essa possibilidade.

O que não podemos perder de vista, a princípio, é que dificilmente os criminosos irão fornecer voluntariamente os objetos que interessem à investigação, de modo que caberá a polícia investigativa empreender todos os recursos a fim de localizar a materialidade do crime, como por exemplo, a droga escondida no quintal da residência do traficante ou a arma de fogo homiziada debaixo da cama de um assaltante.

Portanto, a medida de busca domiciliar desponta como um dos mais importantes instrumentos investigativos em poder do delegado e da polícia investigativa em geral, o que, não raras as vezes, encontra entraves na demora da prestação jurisdicional no sentido de se obter o pertinente mandado de busca e apreensão em tempo hábil a se garantir a efetividade da medida.

Nesse contexto, revela-se de primordial relevância a atuação do delegado de polícia, como presidente da investigação criminal, na análise jurídica das informações que lhe são apresentadas, julgando-as, previamente, seguras ou não, e decidindo acerca da viabilidade da diligência sem a autorização do Poder Judiciário.

O empirismo policial nos revela que, dentre as várias ações investigativas consideradas, uma medida que pode auxiliar em tais situações é a identificação de locais públicos onde são feitos o uso de entorpecentes por usuários, na maioria das vezes, no período noturno.

Isso porque, identificando-se um número considerável de usuários e utilizando-se das técnicas de entrevista e interrogatório, será possível obter informações fidedignas, através, por exemplo, do confronto das declarações, quanto ao local onde a droga é comercializada, bem como na identificação de eventuais traficantes, de modo a amparar a deliberação pela entrada no domicílio, o famoso “chutar a porta”.

Outra situação que merece destaque e que foi recentemente enfrentada e validada pelo Superior Tribunal de Justiça diz respeito à possibilidade de busca domiciliar quando policiais, no desempenho de suas atividades investigativas, se deparam com forte odor, por exemplo, de maconha, proveniente de identificada residência. Nessa situação, está justificada a entrada policial no local para realizar a busca, independentemente de autorização judicial

Imagine agora a hipótese em que a polícia monitora a negociação para venda de certa quantidade de droga. Na situação, há uma investigação madura que aponta no sentido de que ambos os envolvidos são traficantes, um figura como fornecedor e o outro é responsável pela distribuição do entorpecente nas várias bocas de fumo da cidade. Aguardado o momento oportuno do ponto de vista probatório para a efetivação da prisão em flagrante, foi possível identificar, com a segurança jurídica necessária, os locais possíveis onde a droga estaria escondida.

Diante de tal situação, sabendo que toda a estrutura organizacional do tráfico de drogas possibilita, muitas vezes, mudança repentina do local onde a droga fica homiziada, sendo temerário se aguardar pela autorização judicial, é possível que o Delegado de Polícia determine que sua equipe proceda na realização da busca imediatamente.

Por fim, mudando um pouco o cenário da narrativa acima: imagine a hipótese de uma investigação que aponta, embasada em dados concretos, que será realizada a entrega de determinada quantidade de entorpecentes em determinado local e que a “mula” (nome dado ao traficante responsável pelo transporte do tóxico) estaria trazendo consigo a droga em transporte público. Os elementos de que dispõe a autoridade policial dão conta de que na residência do traficante destinatário provavelmente haveria mais drogas, mas que não ainda não foi possível identificá-lo.

Assim, uma vez interceptada a “mula” no interior do transporte público, ainda na posse dos entorpecentes, esta confessa a prática do tráfico e delata o traficante responsável pela aquisição da droga e o local de destino final para entrega, franqueando, ainda, amplo acesso ao seu celular, onde é possível identificar trocas de mensagens entre ambos.

Seria contrário ao êxito das investigações esperar autorização judicial para realização da busca domiciliar, uma vez que o traficante adquirente do entorpecente, ao saber da prisão em flagrante da “mula”, possivelmente iria foragir e dar outro destino a droga que estivessem sob sua guarda.

Nessa situação, estaria devidamente justificada não apenas a busca domiciliar, mas também a prisão em flagrante do traficante destinatário da droga, independentemente da localização de tóxicos em sua residência, posto que, fora capturado, logo depois da prisão da “mula”, com instrumentos e objetos que faziam presumir estar adquirindo a droga (mensagens constantes do aparelho celular apreendido, confissão e demais elementos informativos colhidos no procedimento policial).

Vimos, portanto, que são várias as situações exemplificativas nas quais são visualizadas as fundadas razões (expressão do direito brasileiro) ou “causa provável” (expressão oriunda do direito norteamericano e frenquentemente vista na dramaturgia), mas temos que alertar que estas devem ser analisadas diante do caso concreto e, na maioria das vezes, a experiência policial aliada ao conhecimento jurídico do Delegado de Polícia trarão a segurança jurídica necessária para se decidir acerca da busca domiciliar sem o mandado judicial.

Assim, o Delegado, nas palavras de Ruchester Marreiros Barbosa, “é o primeiro jurista (intérprete da norma) a ter acesso ao fato criminoso, ou seja, é o primeiro juiz do caso concreto, tendo a atribuição de analisar juridicamente os fatos ocorridos e promover eficiente investigação criminal. Precisa agir com atenção e cautela diante da iminência de suas atribuições com o direito fundamental de liberdade da pessoa humana, tendo sido esta a razão da promulgação da lei 12.830/13, na qual o Delegado de Polícia figura como cargo de natureza jurídica e essencial ao Estado Democrático de Direito”.

Desse modo, caberá ao Delegado de Polícia, cuja figura está representada na pessoa do primeiro e grande garantidor da legalidade da busca e apreensão, preservar a prova produzida, a fim de garantir a manutenção da prisão cautelar e subsidiar futura condenação, evitando-se que os atos decorrentes da medida constituam abuso de autoridade (art. 3º, alínea “b”, da Lei 4.898/65).

 

Perfil: Thyago Burtorff Feodrippe de Oliveira Martins é Delegado de Polícia do Tocantins,  Pós-graduando em segurança pública e atividade policial pela Associação Propagadora Esdeva/Faculdade Arnaldo Janssen. Graduado em Direito pelo UNIPÊ - Centro Universitário de João Pessoa; Ex-assessor jurídico do Ministério Público da Paraíba; Ex-advogado criminalista; Ex-procurador do Município de Cabedelo/PB.