Coluna "Na Delegacia": Flagrante

Por: Delegado Wanderson Chaves de Queiroz
11/05/2018 11/05/2018 15:42 1109 visualizações

É muito comum, quando se trata de apresentação de pessoas em delegacias de polícia, nas ocasiões em que o apresentado é acusado ou suspeito da prática de crime não fique imediatamente preso, o seguinte questionamento: “mas por que fulano não ficou preso?”. 

 

Para a resposta a essa argumentação é preciso analisar a Constituição de 1988 e o Código de Processo Penal.  A Constituição, para garantir que ninguém terá sua liberdade cerceada de forma ilegal, contemplou duas possibilidades apenas de prisão de civis (os militares se sujeitam a outras regras):  aquela em que a determinação de prisão é oriunda de ordem judicial, e neste caso pode ser uma determinação do juiz para prender uma pessoa de forma cautelar, ou seja, durante um processo ou uma investigação; ou aquela ordem na qual,  findo um processo criminal, ficou demonstrado que o acusado, de fato, é autor do crime e por isso deve cumprir pena. A outra possibilidade legal de prisão, ainda segundo a Constituição, é a prisão em flagrante, porém, é importante questionar: quando uma pessoa pode ser presa em flagrante? Quem decide por essa prisão?

 

O artigo 302 do Código de Processo Penal apresenta uma lista de situações em que uma pessoa pode ser considerada presa em flagrante e quem poderá realizar essa prisão. Em princípio a lei determina que os policiais em geral deverão (e isto é uma ordem!) prender quem estiver em flagrante delito, e qualquer pessoa do povo poderá (poderá é uma ação facultativa) prender pessoas em flagrante.

 

Adiante, o citado artigo 302 lista quais são as situações em que a pessoa poderá ser considerada em flagrante delito, são elas:  quem está cometendo o crime, a título de exemplo imagine uma viatura da polícia que se depara com um homem esfaqueando outro indivíduo em via pública, flagrante! Os policiais são obrigados a agir e prender. A segunda situação flagrancial possível é daquele criminoso que acabou de cometer o crime, tomemos os personagens do primeiro exemplo: uma equipe de policiais se depara com um corpo esfaqueado e um homem próximo a ele já empreendendo fuga correndo. Flagrante!

 

Mas não acaba por aí, a lei também dispõe que aquele é perseguido por policiais, pela vítima ou por qualquer outra pessoa, em situação que faça presumir ser o autor de delito, logo depois do cometimento do crime,  também poder ser preso. Tomemos como exemplo a equipe de patrulheiros que se depara com uma multidão gritando que um homem acabara de assassinar um desafeto em um bar, que todos presenciaram o ato, e que após o crime fugiu, também poderá ser preso. Flagrante nele!

 

Por fim, aquele que é encontrado, logo depois do crime, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que o façam presumir ser o autor do delito também poderá ser preso. Voltemos ao nosso exemplo, uma equipe de policiais se depara com uma vítima, em um beco escuro, dando seus últimos suspiros, o que os faz crer ter sido atacado instantes antes, com golpes de faca, ao diligenciarem nas proximidades se depara com um homem, com uma faca suja de sangue, marcas de luta nos braços e pernas, e as roupas sujas, em completo estado psicológico abalado, nervoso, estará passível de ser preso em flagrante, uma vez que as circunstancias indicam ser ele o autor do homicídio exemplificado.

 

Mas ainda paira uma questão, e como então às vezes os policias passam dez dias a procura de um criminoso após um crime e ainda é possível prendê-lo  em flagrante? A resposta está no fato de que, se a pessoa comete o crime e é perseguido, enquanto não cessar a perseguição ela poderá ser presa em flagrante, independente do tempo em que a durar a diligencia a sua procura.

 

Depois de tudo explicado, é possível responder a pergunta do início: “mas por que fulano não ficou preso? Não ficou porque, mesmo sendo apontado como autor de um crime, em não existindo ordem judicial para prisão, e não havendo situação de flagrante delito, em respeito a nossa Constituição e nossas demais leis, será mantida sua liberdade, pelo delegado de polícia que analisar o caso.

 

Wanderson Chaves de Queiroz é Delegado de polícia no estado do Tocantins desde 2009, bacharel em direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB), pós-graduado em Segurança Pública, Cidadania e Direitos pela Universidade de Campinas - SP e titular da Delegacia Especializada em Investigações Criminais.