Tais são os preceitos do direito: viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence. "Ulpiano"
A atuação da Polícia Civil, vem sendo uma polícia tipicamente investigativa, muitas vezes sequer é percebida, exatamente por sua natureza sigilosa, em que os agentes, comandados por um delegado de polícia, fazem o levantamento de provas, fatos e elementos que possam separar criminosos de inocentes, e permitir que, posteriormente, seja dada a punição devida a quem seja imputado como delinquente. Tecnicamente poderíamos citar uma miríade de artigos que consubstanciaria o que falamos, mas aqui quero falar com todos, desde os que não são da área do direito até os que o são. Se resumíssemos a atuação da polícia em uma expressão popular, poderíamos dizer que o trabalho de investigação se trata de separar o joio do trigo.
Exatamente neste sentido que transcorrem os trabalhos investigativos. Aos poucos, lançando mão de tecnologias, de meios de prova e da velha e boa investigação de campo, vão se levantando elementos e se afunilando a investigação até que, ao final, se consiga chegar de fato ao criminoso, ao crime, e se possa dar a este a punição devida. Da mesma sorte, a investigação evita que pessoas inocentes sejam punidas injustamente.
Contudo, para além da obviedade da função da Polícia Civil, muito mais questões transcorrem no dia a dia das delegacias de polícia, que exigem do Delegado de Polícia ser muito mais do que um agente público tecnicamente preparado para a resolução de crimes. O Delegado de Polícia, como autoridade policial, deve ser também uma pessoa capaz de dar as mais diversas respostas aos problemas cotidianos da sociedade, ainda que não sejam questões criminais, e eis um dos aspectos da complexidade inerente à função policial, que vou retratar aqui de forma ilustrativa e simples, sem jargões e artigos de lei, para que você, cidadão, entenda a nossa função na sociedade.
A função de todas as polícias, seja aqui seja no restante do mundo, é a de tratar de uma certa doença social, algo que é inerente de toda civilização, desde a mais atrasada até a mais avançada: o crime. Segundo alguns filósofos, sociólogos, e outros “logos”, é algo inerente de toda e qualquer sociedade a existência de crimes. Sim, não se assuste ao saber que existem crimes também na Suíça, no Japão, e em qualquer lugar do mundo. A questão a se discutir, e não o faremos hoje aqui, é saber em que nível o crime é tolerável e em que nível o crime se torna uma epidemia em uma sociedade. Para o atual momento em que estamos, resta eu dar um “pitaco”, e dizer que no Brasil atual o crime é uma epidemia quase fora de controle, e com uma doença gravíssima: os grupos criminosos organizados.
Quando construímos uma sociedade todos nós assinamos (mesmo sem saber), um contrato, algo que os filósofos (lá vem de novo os “logos”) chamavam de “contrato social”. Este contrato tem uma série de cláusulas que dizem o que não podemos fazer, e se chama Código Penal, que junto a outras leis penais dizem tudo que não pode ser feito no Brasil. Afora isso, tudo pode ser feito. Percebam como as regras são simples para as pessoas: tudo que não é proibido é permitido que seja feito! Por exemplo: existe uma parte deste contrato que diz que se uma pessoa mata a outra deverá ser presa durante um período de tempo, essa é uma regra que impede que algo seja feito, exatamente porque, se todos pudessem matar livremente, bem, não sobraria pedra sobre pedra!
Já para o Estado, e nele estamos incluídos todos que somos agentes públicos, tudo que é feito deve estar previsto em Lei. Neste mesmo exemplo que demos acima, a lei determina que, quando alguém é morto por outra pessoa, nós, Policiais Civis, devemos investigar o crime, encontrando quem foi o culpado, prendendo, se for caso de flagrante, e buscando todas as provas necessárias para condenação de quem cometeu o crime. Além disso, a lei determina a forma que devemos proceder, quais meios podemos utilizar, e quais devemos nos abster. Se a polícia não agir diante de um crime, ela se torna criminosa, e se agir além do que a lei determina, também. Para os agentespúblicos, portanto, não há toda aquela liberdade dada às pessoas, exatamente porque nós, agentes públicos, como representantes do Estado, servimos para atender às pessoas.
Fazendo uma analogia, a Polícia Civil atua como um sistema de saúde, que visa “curar” a doença social que é o crime. E como fazemos isso? Como foi dito acima, o método utilizado é a investigação, e dentro desta há uma miríade de possibilidades à nossa disposição. O trabalho do Delegado de Polícia é, desta forma, diagnosticar a doença (descobrir qual foi o crime), e encontrar o doente (encontrar o criminoso), para então, após todo um tratamento (investigação, processo), seja aplicado o remédio necessário para essa doença. O remédio que a justiça criminal aplica chama-se pena - as vezes se refletindo na prisão do criminoso, outras vezes no pagamento de valores, noutras tantas a realização de serviço social -, tudo buscando dar o remédio que seja necessário para curar a doença.
No âmbito das atribuições policiais, e dentro da justiça criminal brasileira, tudo nasce dentro de uma delegacia de polícia. Quando um crime acontece ele sempre deve chegar ao conhecimento do Delegado de Polícia, seja por meio da notícia do crime (materializada no B.O.), seja por meio da entrega do próprio criminoso pego na cena do crime ou um pequeno tempo passado do cometimento do crime (nos casos de flagrante). De toda sorte, quando um crime acontece, nasce para o Estado um dever, uma obrigação de iniciar a busca pelo criminoso, chamada tecnicamente de persecução penal, esta sendo executada por meio da ação das polícia judiciárias (termo amplo para designar a Polícia Civil nos Estados e a Polícia Federal na União). Após a apuração realizada pela polícia judiciária, outros órgãos estatais devem começar a realizar a função persecutória, seja o promotor, quando oferece Denúncia (nome para o pedido de condenação que dá início ao processo penal), seja o juiz, quando aplica uma pena ao criminoso ou absolve um inocente, sejam os advogados e defensores, atuando na defesa de acusados, chegando até os agentes do sistema prisional, que atuam na ressocialização dos já condenados. Um grande estudioso de direito dizia que os presídios são como hospitais, que deveriam curar alguém doente, contudo, infelizmente sabemos que não é bem essa a realidade do Brasil, mas também aqui seria outra história.
Tudo que acontece na cidade, e que aparenta ser um crime, é levado primeiramente aos Delegados de Polícia, que filtram as informações entre o que é crime e o que não é, orientando a sociedade nas questões que não são criminais e direcionando o cidadão que o procura para a solução de suas demandas. O delegado está 24 h presente perto da sociedade, ouvindo, instruindo, prendendo criminosos e defendendo inocentes de injustiças, de porta sempre aberta ao povo, sendo a ponte para que crimes sejam solucionados, criminosos punidos, inocentes preservados, e para que a sociedade possa estar tranquila em sua vida cotidiana, em sua liberdade ampla que configura as democracias como a que vivemos.
Para concluir, convido a você que nos está lendo que se aproxime do delegado de sua cidade, vá até a delegacia e entenda que ali está a casa do cidadão, onde você sempre encontrará um agente da lei para lhe atender, de noite ou de dia, semana, finais de semana e feriados, para lhe orientar sobre quais caminhos seguir para ter a almejada justiça que todos queremos. Colabore também com informações sobre crimes, fugitivos, sua identidade sempre será preservada, se todos os cidadãos comprometidos forem os olhos e ouvidos da lei, e colaborarem com a polícia civil nós, juntos, conseguiremos, não acabar com toda a criminalidade, mas reduzi-la a níveis aceitáveis e compatíveis com o nosso grau de civilização. Todos podemos se estivermos juntos, contem conosco, com a Polícia Civil do Tocantins, e sintam-nos como parceiros na construção de uma sociedade mais digna e justa.
Enio Walcácer é Delegado de Polícia de Araguatins, foi agente de polícia civil por 14 anos, é Mestre em Direitos Humanos e Prestação Jurisdicional, especialista em Ciências Criminais e Direito e Processo Administrativo, Bacharel em Direito e em Comunicação Social, ambos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Autor dos livros Constituição & Inquisição (Lumen Juris) e A Tutela Penal das modernas biotecnologias (PerSe).