A Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil - FENDEPOL, entidade representativa de sindicatos de Delegados de Polícia em âmbito nacional, manifesta perante seus filiados e à sociedade brasileira, veemente repúdio, inconformismo e perplexidade à expedição de Decreto Autônomo do Governador do Estado de Tocantins, Mauro Carlesse, o qual possui em seu bojo absurdos inauditos sequer vislumbrados durante o período de vigência do famigerado Ato Institucional número 5, da época do regime militar, consoante fundamentos a seguir delineados:
1. Na edição de 11 de março de 2019, para surpresa e perplexidade de todo país, ostensivamente foi publicado no Diário Oficial do Estado de Tocantins o Decreto de número 5915, datado de 08 de março de 2019, destinado a normatizar sob a tipologia de um ‘manual” sobre “procedimentos de polícia judiciária, no âmbito da Polícia Civil do Estado de Tocantins.
2. Formalmente, urge preliminarmente ressaltar que o Governador do Estado de Tocantins utilizou-se de espécie normativa incompatível para tratar de lei em sentido estrito, já que Decretos Autônomos n esfera de competência de Chefes do Poder Executivo jamais podem versar sobre matéria objeto de lei, sob pena de violação ao princípio da reserva legal e crime de responsabilidade, como é o caso em comento.
3. Em acréscimo a esta teratologia própria da era despótica do Antigo Regime, tal Decreto adentra claramente em matéria relativa a Direito Processual Penal, cuja competência privativa é declaradamente da União Federal por força de cláusula expressa constitucional, consubstanciada no artigo 22, I, da Constituição Federal. Sem contar que até mesmo regramentos relativos a procedimentos em matéria processual penal, embora abarcado na esfera de competência concorrente dos Estados, na forma do artigo 24, XI, da Constituição Federal, deve ser vinculada à lei em sentido estrito e jamais contrariando a sistemática do Código de Processo Penal, lei federal em sentido estrito.
4. Ademais, referido Decreto Autônomo viola frontalmente toda sistemática presente no artigo 20 do Código de Processo Penal, ao obrigar o Delegado de Polícia a descartar o sigilo próprio do procedimento inquisitivo característico do inquérito policial; afronta todo capítulo do Código de Processo Penal quanto aos cumprimentos de medidas cautelares de busca e apreensão, ao determinar obrigatoriedade de “prévio aviso” às autoridades máximas dos órgãos investigados.
5. Os artigos 10 e 11 do referido Decreto Autônomo do Governador do Estado inova no mundo jurídico brasileiro ao disciplinar o que é o inquérito policial, sua forma de instauração, bem como estabelecer normas obrigatórias de instauração e metodologia de condução de diligências no curso daquele procedimento, cuja disciplina legal originária é vinculada à lei formal de origem federal – o Código de Processo Penal.
6. Ainda que se desconsidere todo este amadorismo e atentado ao Estado de Direito, causa indignação verificar a conveniência política na edição deste Decreto Autônomo, emergido em concomitância com a realização de inúmeras operações deflagradas por Delegados de Polícia de Tocantins que apuram crimes contra a Administração Pública com envolvimentos de autoridades políticas e administrativas do Estado de Tocantins.
7. Este Decreto exorbitante e sem qualquer capacidade de observância obrigatória por qualquer servidor da Polícia Civil de Tocantins exsurge após o grave escândalo de imoralidade administrativa ocorrido com a remoção arbitrária de Delegados de Polícia que apuravam casos de corrupção.
8. Por ser manifesta e flagrantemente ilegal, não há qualquer possibilidade, orientação nem sequer admissibilidade de Delegados de Polícia ou integrantes da Polícia Civil de Tocantins de cumprir esta inovação jurídica inconstitucional, sob pena de até cometerem crimes de violação de sigilo funcional, previsto no artigo 325 do Código Penal e prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal. Portanto, conclamamos a todos Delegados de Polícia ao invocarem o princípio da legalidade estrita devem ignorar totalmente este Decreto, até porque violar um princípio é muito pior que violar uma norma.
9. Isto porque, não custa lembrar, conforme entendimentos doutrinário e jurisprudencial, a Administração Pública, através de seus órgãos e servidores efetivos legalmente investidos, pode negar validade ou eficácia à Lei que contrariar a Constituição; que dirá um Decreto Autônomo. Se a Lei já nasce contrariando o preceito maior, que é a Constituição Federal, não há como exigir o seu cumprimento. A jurisprudência, tem se manifestado pacificamente no sentido de que o Poder Executivo não é obrigado a acatar normas legislativas contrárias à Constituição ou a Leis hierarquicamente superiores, até que o Poder Judiciário, provocado decida a respeito. Tal posicionamento é pacífico no Supremo Tribunal Federal (STF, in RTJ 2/386, 3/760; RDA 59/339, 76/51, 76/308, 97/116; RF 196/59; RT 354/139, 354/153, 358/130, 594/218; BDM 11/600).
10. Diante do exposto, devem os integrantes da Corregedoria da Polícia Civil de Tocantins observar fielmente tal princípio geral do direito, sob pena de futuramente serem responsabilizados por atenderem a disposições flagrantemente ilegais e que se subsumem a figuras típicas previstas no Código Penal, conforme exposto.
11. Manifestamos, por derradeiro, total solidariedade aos colegas Delegados de Polícia do Estado de Tocantins e urgimos ao Governador do Estado, sob pena de crime de responsabilidade, a exercer o princípio da autotutela da Administração e anular este ato ilegal e sem qualquer perspectiva de observância.
Brasília/DF, 14 de março de 2019
Rodolfo Queiroz Laterza
Presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil