Essa semana todos nós, policiais civis do Tocantins, fomos surpreendidos com uma decisão oriunda da Corregedoria da Polícia Civil que aplicou a severíssima pena de suspensão (vinte e vinte e um dias) a dois dos mais atuantes delegados do estado.
É importante destacar que referidos delegados estavam à frente de grandes investigações envolvendo o combate à corrupção em vários setores, e, não obstante as dificuldades enfrentadas (pelos mais diversos fatores) não se olvidaram de dar prosseguimento no seu trabalho, cujo resultado foi amplamente divulgado pela mídia nos últimos meses.
Os colegas buscarão provar suas inocências em todas as instâncias cabíveis e, conhecendo-os como conheço e sabendo da reputação ilibada que possuem, obterão uma decisão judicial que reverterá as punições.
O afastamento de profissionais tão capacitados e empenhados em desenvolver um trabalho de qualidade por certo repercutirá negativamente. A suspensão de delegados que atuam no combate à corrupção enfraquece esse tipo de investigação e corrobora uma triste realidade tupiniquim, qual seja, a pecha de impunidade para crimes deste jaez.
A ONG Transparência Internacional elabora, anualmente, um ranking de corrupção no mundo e o Brasil, em 2018, alcançou sua pior colocação histórica – é o 105º colocado entre 180 nações avaliadas. Nos últimos anos a colocação do Brasil vem despencando (era o 96º em 2017 e o 79º em 2016).
Quem lidera a lista (país menos corrupto) desde 2012 é a Dinamarca, que já teve, em sua história, graves problemas com corrupção. Contudo, aludido país escandinavo vem combatendo este mal desde o século XVII. Nessa época, a nobreza gozava de vários privilégios e o Rei Frederik 3º proibiu que se recebesse ou oferecesse propinas ou presentes, sob pena, até mesmo, de morte. Também instituiu regras para se contratar servidores públicos com base no mérito (e não no título). A partir de então, novas regras foram sendo instituídas, período a período.
Por óbvio nenhum país do mundo está imune à corrupção, até mesmo na Dinamarca, eventualmente, há denúncias envolvendo esta conduta. Contudo, trata-se de casos isolados que são investigados e severamente punidos. Vejamos alguns aspectos comuns na Dinamarca (e bem diferentes da prática brasileira) que ajudam a manter o país nórdico no topo do ranking.
- Menos Regalias para Políticos – um vereador em Aarhus (segunda maior cidade da Dinamarca com cerca de 300 mil habitantes) recebe um salário equivalente a R$ 6.000,00 e tem, como único benefício, um cartão para táxi que só pode ser usado em eventos oficiais. Muito diferente das dezenas de regalias inerentes aos políticos brasileiros (e não só aos políticos, mas a diversos cargos de direção, chefia e assessoramento em órgãos públicos).
- Pouco Espaço para Indicar Cargos – tentar beneficiar-se do setor público não é tarefa fácil por lá. Quando um político é eleito, obrigatoriamente terá que trabalhar com a equipe montada na gestão anterior. Na Dinamarca não tem espaço para indicações a apadrinhamentos políticos, os cargos de assessoramento são ocupados por profissionais técnicos e competentes (já no Brasil...).
- Transparência Ampla – A Dinamarca também é considerada a nação mais transparente do mundo (de acordo com o ranking da Universidade da Pensilvânia “2016 Best Countries”). Os sites dos governos de todas as instâncias costumam ser munidos de informações precisas e fáceis de consultar, no que se refere a salários e gastos públicos. No Brasil, é bem verdade, nos últimos anos a transparência vem aumentando, mas ainda há dados sigilosos e a consulta aos portais, por vezes, não é nada simples.
- Polícia Confiável e Preparada – os casos envolvendo corrupção na polícia dinamarquesa são raríssimos. A polícia goza de alto nível de confiança e o cargo de policial é admirado e considerado de status social o que faz com que jovens almejem a carreira. Ademais, os policiais são extremamente treinados e preparados e as excelentes condições de trabalho agregam qualidade ao serviço prestado.
- Baixa Impunidade – As condutas consideradas criminosas são basicamente as mesmas tanto no Brasil quanto na Dinamarca (corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais, peculato, etc.) e as penas aplicadas mais ao norte do globo nem são tão severas assim. A grande diferença está no rigor com que as penas são fiscalizadas e cumpridas. O especialista em corrupção pela Universidade de Aarhus, Gert Tinggaard Svendsen explica que “as leis não são tão duras, o que é duro é o mecanismo de punição. A tolerância à ilegalidade na Dinamarca é baixíssima não só com relação às instituições, mas até com indivíduos do convívio que infringem normas das mais simples.”
- Confiança Social – Na Dinamarca é comum casais almoçarem em restaurantes e deixarem seus filhos sozinhos, em carrinhos de bebê, do lado de fora do estabelecimento. Lá mais de 70% das pessoas confiam umas nas outras (no Brasil, esse índice é inferior a 10%). A confiança social ajuda a prevenir a corrupção pois torna o desvio à norma um tabu. Por outro lado, a corrupção é inversamente proporcional à confiança da população.
- Empenho Constante no Combate à Corrupção – Desde o século XVII, a corrupção vem sendo combatida na Dinamarca com sua intensificação através dos séculos. Verifica-se, portanto, que esse mal não pode ser expurgado de uma só vez, com um só golpe, o segredo é o combate constante e permanente.
Não podemos deixar de considerar avanços recentes do Brasil no combate a esses crimes (a operação Lava Jato é o maior exemplo disso). A Polícia Civil do Tocantins também tem se destacado com operações exitosas (Catarse, Jogo Limpo, Espectro, dentre outras). Contudo, consoante acima demonstrado, para se alcançar resultados satisfatórios com considerável mudança de uma cultura, o processo deve ser contínuo e duradouro.
“A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios” (Montesquieu – século XVIII). Queremos crer que as operações acima citadas, ainda recentes (pouco mais de nove anos de operação Lava Jato e pouco mais de um ano das operações em âmbito estadual) são apenas o início de uma mudança de mentalidade. A Polícia Civil do Tocantins tem feito sua parte para melhorar o vergonhoso 105º lugar que o Brasil ocupa dentre os países mais corruptos do mundo. Devemos ter consciência que este é um caminho longo, mas as ações devem ser perenes e ininterruptas.
BERNARDO JOSÉ ROCHA PINTO
É titular da Delegacia Regional de Polícia Civil de Pedro Afonso, graduado pela UFT em 2004 e pós-graduado em Investigação Policial.