Nos últimos anos a tão falada Operação Lava-Jato vem atualizando todas as definições de corrupção e organizações criminosas que eram conhecidas no Brasil. Em um país que vive um momento de grande polarização como o nosso, logicamente que haverá os que defendem e aqueles que são contrários à “entidade” Lava-Jato pelos mais diversos motivos, entretanto, aqui tentaremos expor detalhadamente uma modalidade criminosa que passou a ser mostrada diariamente nos meios de comunicação.
Durante muitos anos ouvimos falar sobre as organizações criminosas, que de modo geral se revelam por dotar-se de aparato operacional, o que significa ser uma instituição orgânica com atuação desviada, podendo ser informal ou até formal, mas clandestina e ilícita nos objetivos e identificável como tal pelas marcas correspondentes. Normalmente essas organizações atingiam seu objetivo ilícito utilizando de força ou mediante a cooptação de agentes públicos. Ou investiam em poder de fogo ou subornavam agentes estatais escolhidos estrategicamente.
Diferente do crime organizado já conhecido de todos, no crime institucionalizado as estruturas criminosas se confundem com a própria estrutura estatal. Nesse tipo de ação, as grandes decisões do Estado se confundem com as decisões do grupo criminoso. Assim, a organização criminosa utiliza-se daquilo que conhecemos como “máquina pública” para multiplicar seus ganhos ilícitos. Para tanto, as armas são substituídas pelo diário oficial, e decisões de grande impacto ao Estado são tomadas não em razão de políticas públicas, mas para satisfazer os interesses econômicos do grupo, que não apresenta apenas um líder, como as organizações criminosas comuns, mas uma estrutura em forma de teia, colaborativa, em absoluta simbiose.
Recentemente, o Delegado de Polícia Federal Márcio Anselmo, responsável direto pela gênese da operação Lava-Jato, lançou o livro Crime.Gov Quando corrupção e governo se misturam. Na obra é possível compreender como agem os corruptos no Brasil. Responsável pelo prefácio do livro, o Ministro do STF Luís Roberto Barroso escreve que “a corrupção no Brasil não foi produto de falhas individuais ou fraquezas humanas. O que se viu foi uma corrupção estrutural e sistêmica, um espantoso arco de alianças que incluiu empresas privadas, estatais, empresários, servidores públicos, partidos políticos (de todas as cores), membros do Executivo e do Legislativo”.
O que todos vemos no país são holofotes jogados em direção ao que antes acontecia sob a escuridão. Entregas de malas contendo centenas de milhares de reais realizadas em shoppings, hotéis e restaurantes, centenas de milhões de reais em espécie sendo guardados em caixas de papelão e malas na sala de um apartamento desocupado, colaborações premiadas em que servidores de 3º escalão de empresas estatais se comprometem a devolver milhões de dólares aos cofres públicos visando a diminuição de suas penas.
Enquanto tudo isso é escancarado para a sociedade os líderes do crime institucionalizado utilizam o que tem sob seu poder para estancar a sangria e barrar o combate ao crime. A máquina estatal é utilizada com força máxima contra os que investigam e provam tudo aquilo que a sociedade sempre soube, mas não era documentalmente mostrado. E aí começa a perseguição política, perseguição administrativa e perseguição legislativa. Publicações no diário oficial tentando levar ao ostracismo autoridades que combatem a corrupção, instauração de procedimentos persecutórios contra quem batalha pelo fim da organização criminosa e aprovação de projetos de lei que visam diminuir forças, embaraçar ou impedir o prosseguimento de investigações.
O mecanismo do crime institucionalizado esta aí, exposto diariamente em jornais, telejornais, livros, revistas, redes sociais e até mesmo no bate-papo do bar da esquina. Só não vê quem não quer. E não podemos nos enganar achando que só está presente em um partido, um candidato, uma cor, um lado. Não, trata-se de uma teia.
Mas uma vez utilizando trecho do livro Crime.gov e aproveitando para recomendar sua leitura, cito novamente palavras escritas pelo Ministro Barroso. “É um equívoco supor que a corrupção não seja um crime violento. Corrupção mata. Mata na fila do SUS, na falta de leitos, na falta de medicamentos. Mata nas estradas que não têm manutenção adequada. O fato de o corrupto não ver nos olhos as vítimas que provoca, não o torna menos perigoso”.
Bruno Boaventura, Delegado de Polícia Civil do Tocantins