O mundo tem vivenciado perdas irreparáveis, provocadas pelo fogo descontrolado, causando mortes, doenças, destruição e muito sofrimento.
Em nosso país, o incêndio da boate Kiss, o Museu Nacional e o Centro de Treinamento do Flamengo são exemplos recentes e muito tristes do poder devastador do fogo, gerando comoções nacionais, até hoje não superadas.
Nos últimos dias, múltiplos incêndios ganharam repercussão nos noticiários, nacionais e internacionais. Mesmo sofrendo, a natureza está mandando o seu recado. Sob um cenário sombrio e intrigante, digno de filmes, a capital paulista assistiu o céu escurecer no meio de uma tarde comum, e ser encoberto por nuvens escuras e densas.
O evento não somente assustou e impressionou os moradores, mas todos aqueles que, de longe, assistiam e se perguntavam o que estava acontecendo, tendo surgido logo após se anunciar amplamente o aumento dos focos de incêndios no país.
O fato nos força a refletir: isso foi apenas um fenômeno da natureza ou teve participação humana? Isso poderia ter sido evitado? Quais as consequências?
Os dois últimos questionamentos precisam ainda de tempo para serem dimensionados. Quanto ao primeiro, é difícil acreditar que esse aumento significativo de incêndios possa ser atribuído à causas naturais, embora as condições do clima e tempo possam favorecer o alastramento e descontrole do fogo.
É comum se ouvir falar que a prática de pequenas queimadas é cultural. Ainda que não se tenha a intenção, pequenas chamas podem levar a grandes queimadas e verdadeiras catástrofes.
Por sua vez, os incêndios intencionais são mais do que um atentado à segurança pública, entendido como o perigo e risco coletivo. São crime que pode se revestir de hediondez, ou seja, que causa repulsa, horror e grande indignação moral.
Como regra geral, no ordenamento jurídico brasileiro permanece a máxima herdada do direito romano, de que ninguém pode alegar desconhecer a lei (Art.3º, Dec.-Lei nº4.657/42). A norma por si só suporta uma grande carga de falta de efetividade, na medida em que é desconhecida por diversos brasileiros, dentre analfabetos e, é preciso que se diga, também pelos alfabetizados.
Em verdade, não é desonra reconhecer que a riqueza quantitativa de normas jurídicas produzidas no país torna o conhecimento amplo de todas as leis vigentes uma missão quase impossível para a maioria dos brasileiros, ao menos sem a ajuda de um buscador virtual.
Mas será que somente quem conhece a lei tem condições de saber dos riscos e danos provocados por um incêndio ou isso decorre de um senso comum e até intuição?
Especificamente sobre incêndio, podemos encontrar o tratamento legal e específico em pelo menos três diplomas diferentes de aplicação em todo o país, sem prejuízo de outros: Código Penal (Art.250 e seguintes, Decreto-Lei noº 2.848/40), na Lei de Crimes Ambientais (Art.41. da Lei nº9.605/98) e até mesmo na Lei de Segurança Nacional (Art.20, da Lei nº7.170/83).
A grande questão também não é falta de regulamentação legal. Toda pena vem como uma missão punitiva, mas também preventiva. Nos casos concretos, a punição muitas vezes é demorada e até mesmo insuficiente, considerada a irreparabilidade de alguns prejuízos, mormente de bens imateriais ou até materiais.
E quanto à prevenção? Primeiro é preciso esclarecer que não podemos confundir publicação com publicidade, aqui entendida como divulgação, massificação da informação. Dando continuidade ao raciocínio, o aumento dos incêndios fala por si, de modo que a previsão legal não vem inibindo esse tipo de prática.
Se a previsão legal se mostra insuficiente, é preciso rever. Mas quando se fala em prevenção, temos que ir mais além e pensar no que está sendo feito para combater as queimadas, criminosas ou não. É preciso investimento, mas também é preciso informação.
Recentemente, fiz um curso da Brigada de Incêndio. Ao finalizar, deparei-me com a pergunta: porque demorei tanto a fazê-lo? E se eu perguntar aos leitores se diante de um incêndio provocado por uma explosão no carregador do celular, deve-se usar o extintor de classe A ou BC, muitos sequer saberão do que se trata.
O combate ao incêndio é dever do Estado e pode ser reforçado por meio de conhecimento fornecido em um processo de formação inicial, contínuo, uniforme e especializado de conscientização da população, mas também um compromisso pessoal de cada um.
Não adianta desejar um mundo melhor no futuro e não termos a consciência de que precisamos nos melhorar para o mundo em que vivemos.
MILENA SANTANA DE ARAÚJO LIMA
É Delegada de Polícia Civil do Tocantins e ex-titular da Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos (DRCC).