No último dia 04, um grupo composto por 05 Delegados de Polícia, atendendo ao convite da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, com autorização da chefia da Polícia Civil, participou de audiência pública tendo como tema central a extinção da DRACMA (Delegacia de Repressão a Crimes de Maior Potencial contra a Administração Pública).
Na ocasião, como não podia ser diferente, e por serem assuntos interligados, o grupo de Delegados de Polícia também relatou uma série de eventos que ocorreram como retaliação aos trabalhos realizados pela Polícia Civil, desde o mês de outubro de 2018, quando R$ 500.000,00 foram apreendidos em poder do irmão de um influente político na cidade de Araguaína, antecedendo, por coincidência, o escândalo do lixo, que ensejou a operação policial batizada por Expurgo. Após esses dois principais exemplos de atuação da Polícia Civil, a categoria dos Delegados perdeu prerrogativas importantíssimas como, por exemplo, a inamovibilidade (garantia de não ser transferido do local de lotação profissional por motivos injustificados) e a remoção de unidade policial através de critérios objetivos, estabelecidos em concurso interno, visando privilegiar a experiência do profissional (critério de antiguidade) e seu aperfeiçoamento profissional, evitando que bajuladores, por critérios não definidos, fossem beneficiados com transferências para cidades maiores, a exemplo de Palmas.
O evento em Brasília foi importante, na medida em que demonstrou-se aos presentes e registrou-se, nos anais da “casa do povo brasileiro”, a batalha diária que enfrentamos na busca pela garantia de prerrogativas indispensáveis para o bom andamento e desenvolvimento eficaz das atividades de investigação, evitando que profissionais sejam perseguidos e punidos injustamente, pelo simples fato de investigarem pessoas poderosas e ricas, que, ainda hoje, depois de mais de um século da proclamação da República, ainda se sentem acima da Lei.
As prerrogativas básicas para que a Polícia Civil possa desempenhar, sem embaraços, suas atividades podem ser encontradas em quatro mecanismos legais principais: a Constituição, o Código de Processo Penal (sobretudo os artigos disposto entre o 4º e o 23), a Lei 10.830/13 e a legislação especial, a qual trata temáticas criminais específicas. A constituição Federal, no artigo 144, §4º dispõe que a Polícia Civil, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira (ou seja: concursados, e não apenas nomeados) incube a função de polícia judiciária (auxiliar histórica do Poder Judiciário) e a apuração das infrações penais (neste conceito incluídos os crimes e contrações penais), com exceção dos crimes militares.
É por respeito à Carta Magna que a Polícia Civil no Tocantins trava duas frentes ferrenhas no estado, uma delas se refere à competência para investigação de crimes dolosos contra a vida, praticados por policiais militares em serviço, contra civis, e a flagrante ilegalidade, ao nosso ver, da lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO), os quais substituem a lavratura de auto de prisão em flagrante nos casos da prática de crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, cuja as penas cominadas não sejam superiores a dois anos.
A investigação dos crimes dolosos contra a vida praticados contra civis, por policiais militares em serviço, se justifica como forma de garantir isenção nas apurações, evitando que o corporativismo beneficie profissionais que eventualmente possam ter abusado do poder ou desviado a finalidade de seus atos, provocando, inicialmente, prejuízo moral para os familiares da vítima e na sequência, dada a cultura da impunidade que possa vir a se estabelecer, prejuízo para toda a sociedade com o surgimento de grupos de extermínio.
Sobre a possibilidade de lavratura de termo circunstanciado de ocorrência (TCO), a grande questão neste aspecto, resumindo, se fundamenta no fato de um policial militar, ao fazer a análise final de um fato supostamente criminoso, extrapola sua atividade e invade a esfera de competência da autoridade policial, que no caso em debate é o Delegado de Polícia, citada no art. 304 do Código de Processo Penal, a qual compete verificar fatidicamente se a ocorrência apresentada pelo policial se amolda a alguma das circunstâncias flagrâncias do artigo 302 do Código de Processo Penal, além de outras circunstâncias legais dispostas em legislações específicas. Assim, a título de exemplo, corre-se o risco de que um fato com indícios de tráfico de drogas possa ser tratado como mera posse de substância entorpecente para uso, que uma tentativa de homicídio seja considerada lesão corporal culposa, que uma injúria simples seja confundida com injúria racial, muito mais grave e por aí vai.
Adiante, o código de processo penal ao tratar do inquérito policial define claramente as limitações e alcances da atividade investigativa policial, delimitando tanto a investigadores, quanto a peritos os papéis de cada um nesse cenário. Vale destacar que o referido código ainda tece especiais considerações no tocante a atuação do Delegado de Polícia na análise e aplicação das regras que se referem a prisão em flagrante de um conduzido, e os critérios de representação por prisão preventiva ou por outras medidas cautelares diversas da prisão, as quais estão dispostas no código para proteção da sociedade, das pessoas de bem, em detrimento de criminosos.
A lei 12.830/13, de valor inestimável para a atividade policial, sobretudo como ferramenta basilar de garantia da atividade do Delegado de Polícia, dispõe sobre a prerrogativa deste profissional na condução de investigações criminais, podendo para tanto requisitar perícias, informações, documentos e outros dados para elucidação dos fatos. Na sequência, impõe que as investigações presididas pelo Delegado só possam ser redistribuídas “mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação”, dispositivo de grande relevância que visa evitar que um investigado, insatisfeito com a atuação do profissional uso de sua influencia política, ou mesmo financeira, para afastar de investigações profissional capaz de angariar indícios robustos que podem subsidiar denuncias criminais por parte do Ministério Público, e condenações no Poder Judiciário.
Na legislação especial, por sua vez, as garantias específicas voltadas ao Delegado de Polícia, como ferramentas essências para o deslinde de crimes e atos infracionários (infrações cometidas por adolescentes), podem ser verificadas em legislações específicas como de combate ao crimes organizado (Lei 12.850/13), Lei de interceptação telefônica (Lei 9296/96); Lei de prisão temporária (Lei 7.960/89), Lei Maria da Penha (11.340/06) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) somente a título de exemplo. Essas legislações, com temáticas investigativas próprias e especificas, permitem ao Delegado representar ao Poder Judiciário pela decretação de medidas cautelares de relevância para colheita de provas, além de possibilitar análises e aplicação de dispositivos legais protetivos. Todo esse arcabouço jurídico não tem outro viés senão o de garantir que os mais humildes e os necessitados em geral, em caráter urgente sejam assistidos pelo poder público através de medidas judiciais imediatas que podem ser aplicadas, ora para garantir a produção de provas, ora para garantia de direitos individuais.
Isto posto, volto para missão do grupo em Brasília, que não foi outra senão a de dizer, e deixar documentado na Câmara Federal, que os Delegados de Polícia deste estado, naquele ato representado pelos 05 profissionais que discursaram, honram o distintivo que ostentam, que conquistaram com muito esforço e estudo, e que, para garantia do exercício de suas atividades, não se calarão, doa quem doer.
Wanderson Chaves de Queiroz é Delegado de Polícia Civil no estado do Tocantins